quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sobre a liberdade e a segurança (parte 01)

 Ser livre é assumir o risco de existir, é ter consciência que a liberdade, ironicamente, é uma condição humana que não se escapa mesmo quando se nega, como se a consciência fosse nosso único cárcere e, ao mesmo tempo, nossa única possibilidade de libertação, posto que somos todos incapazes calcular o impacto de nossas escolhas e essa incerteza faz com que o medo, conscientemente, seja um mecanismo de bloqueio de nossas ações, mas ainda assim, sabemos o que abandonamos quando decidimos viver pela paranoia.



 

Dessa forma, fingimos que não nos damos conta da armadilha que entramos quando nos rendemos a vida adulta, porque os muros que a civilização criou ainda são altos e grandes demais para serem demolidos sozinho e sem sacrifício;  a cultura que pertencemos só nos ensinou o valor da competitividade, que temos de engolir porque corremos o risco de passar fome, viver a margem da sociedade, ser descriminado, de ficar para trás e uma porção de ameaças que surgem de uma hora para outra em nossa vida e que não sabemos como enfrentá-las, porque nem nossos pais, nem nossos professores souberam...Tudo isso ainda engrossa, quando assumimos responsabilidades diante outras vidas, e a nossa ética não permite tomar decisões que excluam pessoas como família e amigos de nossas escolhas.

Assim nos entregamos a vida ordinária, por medo de perder aquilo que nossos pais lutaram para manter, ou por uma vontade de vencer uma luta que não existe, mas que precisou ser instaurada para garantir o domínio daqueles que gozam dos direitos de quem tem mais.

Passamos horas em um trabalho alienante, onde não conseguimos aproveitar o produto final daquilo que ajudamos a construir, perdemos tempo e oportunidades de conhecer outro lugar, de ler um bom livro, de escrever, de produzir algo que seja relevante ou conhecer uma pessoa interessante por conta de uma rotina de cumprir horários; o trabalho é estressante e improdutivo, não aproveitamos o processo da vida pois estamos sedados pela repetição contínua dos acontecimentos que não nos damos conta das pequenas alterações que ocorrem ao nosso redor e assim segue a vida, com a sensibilidade cada vez menor e o tempo cada vez mais raro.

Ao passo que essas relações vão se estreitando, nos tornamos seres cada vez mais frágeis, frágeis a ponto de buscar uma fuga para essa anti-vida que nos obrigaram a ingerir todos os dias, seja na balada de sexta-feira, nas drogas, em tribos urbanas, em grupos religiosos, buscamos sempre uma forma de não nos sentirmos só, um conforto mas nos enganamos quando acreditamos que as pessoas estão se unindo, na verdade apenas nos isolamos do mundo criando parades ao classificar as pessoas, através de uma espécie de eugenia comportamental.

A verdade é que andamos no meio de uma multidão solitária, que vivem nossos mesmos medos. Temos mil amigos no facebook e não sabemos quem mora no andar de cima, e nem sabemos o nome do motorista do ônibus que pegamos todos os dias.



Religiões falam de salvação, de felicidade eterna depois da vida, propagandas não vendem só produto, mas vendem modelos de vida, a possibilidade de antecipar a chegada ao paraíso, a felicidade (ou banalização das)nas coisas simples como beber coca-cola, ou em ver o filho sujo de barro, na certeza que vai ser simples lavar a roupa dele e não será preciso traumatiza-lo, chamando a sua atenção, para não brincar mais. Todos se comovem com esses discursos, todos querem viver em um mundo onde as coisas sejam mais simples, até lavar a roupa encardida das crianças. MAS QUAL É O PREÇO DISSO? O QUE ENTREGAMOS EM NOME DESSA FELICIDADE? QUEM TRABALHA PARA GARANTIR O CONFORTO DAS PESSOAS?

Adquirimos tanto ao longo da vida, que temos medo de perder aquilo que veio do suor de meses de trabalho, ninguém quer ser roubado e todos os pais querem ter certeza da onde os filhos estão, “MAS O MUNDO É TÃO VIOLENTO, SERÁ QUE ESTAMOS TRANQUILOS SAINDO NA RUA?” colecionamos tantas coisas para serem zeladas que o medo passou a ser o modus operandi da sociedade atual, pois não se deve confiar em ninguém, todos são suspeitos até que se provem ao contrário, melhores amigos também são capazes de trair.
 Tanta necessidade de proteção... será que a liberdade é relevante?
(continua...)

Nas grandes cidades do pequeno dia-a-dia
O medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia
Então erguemos muros que nos dão a garantia
De que morreremos cheios de uma vida tão vazia

Nas grandes cidades de um país tão violento
Os muros e as grades nos protegem de quase tudo
Mas o quase tudo quase sempre é quase nada
E nada nos protege de uma vida sem sentido

Um dia super
Uma noite super
Uma vida superficial
Entre cobras
Entre as sobras
Da nossa escassez

Um dia super
Uma noite super
Uma vida superficial
Entre sombras
Entre escombros
Da nossa solidez

Nas grandes cidades de um país tão surreal
Os muros e as grades
Nos protegem de nosso próprio mal
Levamos uma vida que não nos leva a nada
Levamos muito tempo prá descobrir
Que não é por aí...não é por nada não
Não, não pode ser...é claro que não é
¿Será?

Meninos de rua, delírios de ruína
Violência nua e crua, verdade clandestina
Delírios de ruína, delitos

(Humberto Gessinger)

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